Sunday, March 13, 2022

Se

Se podes conservar o teu bom senso e a calma 

No mundo a delirar para quem o louco és tu... 

Se podes crer em ti com toda a força de alma 

Quando ninguém te crê...Se vais faminto e nu, 

Trilhando sem revolta um rumo solitário... 

Se à torva intolerância, à negra incompreensão, 

Tu podes responder subindo o teu calvário 

Com lágrimas de amor e bênçãos de perdão...


Se podes dizer bem de quem te calunia... 

Se dás ternura em troca aos que te dão rancor 

(Mas sem a afectação de um santo que oficia 

Nem pretensões de sábio a dar lições de amor)... 

Se podes esperar sem fatigar a esperança... 

Sonhar, mas conservar-te acima do teu sonho... 

Fazer do pensamento um arco de aliança

Entre o clarão do inferno e a luz do céu risonho...


Se podes encarar com indiferença igual 

O triunfo e a derrota, eternos impostores... 

Se podes ver o bem oculto em todo o mal 

E resignar sorrindo o amor dos teus amores... 

Se podes resistir à raiva e à vergonha 

De ver envenenar as frases que disseste 

E que um velhaco emprega eivadas de peçonha 

Com falsas intenções que tu jamais lhes deste...


Se podes ver por terra as obras que fizeste, 

Vaiadas por malsins, desorientando o povo, 

E sem dizeres palavra, e sem um termo agreste, 

Voltares ao princípio, a construir de novo... 

Se puderes obrigar o coração e os músculos 

A renovar um esforço há muito vacilante, 

Quando no teu corpo, já afogado em crepúsculos, 

Só exista a vontade a comandar avante...


Se, vivendo entre o povo, és virtuoso e nobre... 

Se, vivendo entre os reis, conservas a humildade... 

Se inimigo ou amigo, o poderoso e o pobre 

São iguais para ti à luz da eternidade... 

Se quem conta contigo encontra mais que a conta... 

Se podes empregar os sessenta segundos 

Do minuto que passa em obra de tal monta 

Que o minuto se espraia em séculos fecundos...


Então, ó ser sublime, o mundo inteiro é teu! 

Já dominaste os reis, os tempos, os espaços!... 

Mas, ainda para além, um novo sol rompeu, 

Abrindo o infinito ao rumo dos teus passos. 

Pairando numa esfera acima deste plano, 

Sem receares jamais que os erros te retomem, 

Quando já nada houver em ti que seja humano, 

Alegra-te, meu filho, então serás um homem!...


de Rudyard Kipling

tradução de Félix Bermudes


No comments: